quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Captação de imagens “a torto e a direito”

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Vivemos numa época, onde as pessoas utilizam diferentes tecnologias de captação de imagem, quer fotográfica, quer vídeo, para registarem tudo o que vêm. Vivemos num tempo, onde os dispositivos fotográficos se tornaram uma presença constante nas nossas vidas. Com o aparecimento das redes sociais a fotografia ganhou espaço, admiradores, mas também alguma banalização.
Evidentemente, sabemos também que, cada cidadão tem o direito da sua imagem, aliás, é um dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República Portuguesa. Mas, há que distinguir as diferentes situações de captação de imagens, sem nunca esquecermos que existe “o direito de uma pessoa não ser fotografada e não ver o seu retrato exposto, reproduzido ou comercializado sem o seu consentimento. Trata se de um direito fundamental ligado à própria personalidade, pelo que a lei deve protegê lo, juntamente com o direito à salvaguarda das informações relativas à pessoa e à sua família.” Consultado em: http://www.direitosedeveres.pt/q/vida-pessoal-e-familiar/imagem.
Embora, ao interpretarmos o artigo 79.º do Código Civil Português, vemos que o direito à imagem é um direito pleno. Realmente, o que a lei pune não é a recolha de imagens, mas a sua difusão sem o consentimento do titular do direito. Porém, não vamos ser mais papistas que o papa, visto que a consagração deste direito fundamental, do direito de imagem, não implica que não se possa, tirar fotografias, pois, não é necessário consentimento para fotografar pessoas, nas seguintes situações: quando estas sejam figuras públicas; quando participam em eventos públicos; quando a sua imagem surja enquadrada em locais públicos. A recolha de imagens é livre quando corresponde a um fim cultural. A difusão de imagens de pessoas em espaços públicos ou com fins culturais só é proibida quando constitui ofensa à honra, reputação ou simples decoro da pessoa visada. No entanto, podemos discutir o que se entende por fins culturais.
Mas muito preocupante mesmo é a captação de imagens, “a torto e a direito”, durante os espetáculos na sua generalidade. À partida o espetador compra o bilhete para ver e não para fotografar o espetáculo. Para poder-se fotografar de forma legal um evento, será sempre necessário a autorização dos responsáveis pelo espaço e/ou organizadores do evento. No entanto, muitos tiram, montes de fotografias, e ainda descarregam, descaradamente, tudo nas redes sociais. Nem se dão ao necessário trabalho de selecionar, somente algumas que representem dignamente a situação. Como se alguém se desse ao trabalho de visualizar dezenas e dezenas de fotografias. Será mais ajustado colocar as melhores fotografias, que fiquem na memória das pessoas, pois parafraseando, o fotógrafo Joel Santos “uma boa fotografia é aquela que, ao ser observada, fica para sempre na nossa memória”. É sempre chato, uma pessoa ser alvo de partilhas e comentários nas redes sociais sem o seu conhecimento. Alguns, nem respeitam as solicitações das produtoras dos eventos, quando colocam nos programas ou na entrada das salas de espetáculo, algo semelhante a isto: por razões de licenciamento e de segurança, todas as câmaras fotográficas e de vídeo são estritamente proibidos. Consultado em: https://www.cirquedusoleil.com/quidam/faq.
Há que, no mínimo, pedir (antecipadamente) uma autorização à organização do espetáculo, para se poder captar as imagens. Pois é verdade que muitas das vezes à socapa, alguns tiram as fotografias, mas aí, já entramos no campo da falta de respeito. É importante não esquecer que também existem direitos de imagem sobre estes eventos. Se tivermos estes cuidados, evitamos casos tão polémicos como o da foto do fotógrafo português Daniel Blaufuks usada (sem respeitar os direitos de autor), por ocasião da inauguração do Museu de Arte Contemporânea.
Embora muitos se façam desentendidos, à partida, todos deviam saber que é expressamente proibido filmar, gravar ou fotografar durante os espetáculos. Tal como é proibido fumar, comer ou beber no interior das salas de espetáculos. Os telemóveis também devem ser desligados e não usados para fotografar e filmar.
Sei da importância de construir-se uma narrativa de imagens, para futura retroação ou nem que seja, simplesmente, “para mais tarde recordar”. Mas o que me indigna é não poder usufruir, normalmente, de um espetáculo na sua integridade, sem ser perturbado com uma avalanche de cliques e flaches disparados em direção o palco e que nada têm a ver com o mesmo. Os autores destas fotografias, nem pensam que estragam o desenho de luz planeado para o espetáculo. Os flashes perturbam os artistas de teatro, por exemplo, que precisam de estar concentrados nas suas personagens, na sua energia interior. E perturbam também os espetadores. Se preferem assistir, aos espetáculos, através das objetivas e ecrãs, ao menos desliguem os flaches. Palco e plateia agradecem!

Numa sala de espetáculos o fotógrafo deve evitar, ao máximo, movimentos, pois são um foco de atenção – e de distração ¬ – muito forte. Ao fotografar um espetáculo de artes performativas, por exemplo, deverá assistir se possível, primeiro a um ensaio, falar com a produção do espetáculo, com o encenador, o luminotécnico, para que desta forma tenha uma melhor interpretação sobre aquilo que vai fotografar.
Em alguns espetáculos que assisti, de teatro, dança, música, moda, havia sempre pelo menos um fotógrafo, “improvisado”, que quase se tornava na personagem principal, tal era a sua movimentação. No mínimo, devem manter-se num local fixo, de forma a passarem discretos e não atrapalharem a visão dos espectadores. O fotógrafo deve evitar também rever as fotos no local onde a está a decorrer o espetáculo e deve usar roupas de cor escura para não interferir na concentração dos espetadores.
Também é verdade que, por vezes, são os próprios promotores do evento, que passam o tempo a capturar imagens. Assisti, há pouco tempo, a um concerto de música e o apresentador informou a plateia que era proibido a obtenção de fotografias. Mas ao mesmo tempo estava ser “bombardeado” com fotografias tiradas, na maioria, por pessoas ligadas ao evento. É caso para perguntar: em que ficámos?

E será que sabemos – ou não – que fotografar também é uma arte? Será que basta a fotografia refletir a visão do artista, para ser considerada como arte? Em boa verdade, a fotografia ainda não é vista pela maioria das pessoas como uma forma de arte. Uma fotografia como arte, não é uma questão de destreza, mas de sensibilidade artística. Não tenho dúvidas em considerar a fotografia uma forma de expressão artística, quando um artista pensa e idealiza a mensagem da obra fotográfica com critérios técnicos, emocionais e também com valor estético.
Mas pegando nas palavras da fotógrafa Belga, Martine Franck: “uma boa foto é aquela que abre a sua imaginação, que traz emoção.”
E já que estamos a falar de fotografia, nada melhor para terminar este artigo de opinião, do que a célebre expressão popular: “Olha o passarinho!”.
                              
                                                                                                                            |Zé Abreu

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