segunda-feira, 2 de abril de 2018

(Des)centralização cultural

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O tema da descentralização cultural continua sempre atual. Pois, regularmente, surgem novos problemas, novos desafios e até novos decisores políticos que trazem outras visões e conhecimentos, outras respostas criativas – ou não – com novas soluções para a área cultural.
 A verdade é que, numa ilha como a nossa é necessário ampliar a descentralização cultural em prol da eficiência dos recursos físicos e humanos e demais bens culturais de interesse público que existem, um pouco por toda a região.
Como sabemos uma cultura viva e criativa é importante para o desenvolvimento económico e muitas são as iniciativas culturais que acontecem um pouco por toda a ilha: nas cidades, nas vilas, nas freguesias, nas paróquias, nos sítios e nos bairros que contribuem, de certa forma, para “animar” a pequena economia local.
Não tenhamos dúvidas que a descentralização cultural com uma oferta de qualidade, diversificada e permanente, contribui para um público mais crítico e consumidor de cultura. Até a Constituição garante-nos o direito à cultura, bem como o direito à fruição cultural.
Daí, julgo que a responsabilidade do universo cultural deve ser partilhada e agilizada com os conhecedores de cada zona, desde os agentes culturais, os municípios, as universidades, as escolas, as fundações, as empresas, para além como é óbvio, os cidadãos também deve ser auscultados.
Os cidadãos devem ser sensibilizados para a importância das questões culturais desde muito cedo. Terá que existir uma maior articulação entre Direção Regional de Cultura e a Secretaria Regional de Educação de forma a se levar, ainda mais, a cultura às escolas, sensibilizando e formando os alunos como agentes ativos nos setores culturais, abrindo-lhes novos horizontes perante a região, o país e o mundo. Para termos uma cultura escolar de sucesso, há que dedicar total atenção ao modo como se educa desde o pré-escolar, ao ensino universitário. Julgo que a política pública da educação e cultura não deve ser pensada, somente, a curto prazo, ou com medidas avulsas consoante os ciclos políticos.
Falamos muito em descentralização cultural e na centralização cultural porque não se falar, debater afincadamente? Vejo zonas descentralizadas que, com muita luta, têm uma vida cultural intensa à volta de determinados eventos. É perfeitamente normal descentralizar a cultura! Mas também deve-se e muito à persistência de pequenas localidades que acreditam e levam à pratica várias iniciativas de índole cultural. Como o ciclo de concertos de Música nas Capelas da Ponta do Sol ou a Semana Cultural da Ilha, só para citar dois bons exemplos, entre outros tantos.
Também, por parte do atual governo, na Madeira, ultimamente, têm sido tomadas algumas medidas que vêm ao encontro da importância da descentralização cultural, como foi o caso da Festa da Flor, que este ano estendeu-se – e bem – a diversos municípios, numa proposta da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura. Mesmo tendo sido polémica a transferência do Museu de Arte Contemporânea que passou do Funchal para a Calheta, julgo que foi uma boa medida. Apesar de ter-se que dinamizar ainda melhor este espaço. Realça-se também o projeto da Direção Regional de Cultura “Capelas ao Luar” como uma mais valia para conhecer-se e valorizar-se o património regional, através de visitas guiadas e momentos musicais adequados a estes espaços.
Como Estreitense, também, gostava de ver um Museu da Vinha e do Vinho surgir no Estreito de Câmara de Lobos, pois esta freguesia é, como se sabe, o principal centro produtor de vinho da Madeira. Aliás, esta ideia museológica está nos planos da autarquia camarolebense, que até efetuou, no ano de 2014, o registo da marca “Estreito de Câmara de Lobos, Terra de Vinho”.
Efetivamente, ao longo dos anos, têm surgindo alguns espaços culturais interessantíssimos que apesar de ficarem afastados da capital madeirense, vão apresentando esporadicamente à comunidade, atividades de interesse cultural e artístico, como Centro Cultural John dos Passos ou o Cívico do Estreito de Câmara de Lobos.
Importa fazer bem um estudo antes de se avançar com novos projetos culturais, que por vezes, até não são assim tão originais, mas mais do mesmo que já existe. Daí ser fundamental criar-se parcerias que são um bom investimento e desta forma inteligente, não se fere ou estraga projetos semelhantes que já estão no terreno. Por vezes, nota-se uma fome de protagonismo que não é saudável para a cultura. Importante é que os agentes e as associações culturais tenham iniciativas, de forma livre, sem estarem totalmente dependentes ou sobre o controle apertado do setor público.
Os grupos e agentes culturais que usufruem de apoios públicos deveriam preocupar-se mais em levar os seus espetáculos a vários espaços na região, de forma a descentralizar a oferta cultural, de uma maneira consciente e organizada. A democratização e descentralização cultural são necessárias para a formação de um público crítico e consumidor de cultura.
A descentralização cultural visa garantir aos cidadãos o pleno exercício dos direitos culturais, como o acesso à música, à literatura, às artes visuais, ao cinema, ou ao teatro, além de apoiar iniciativas de valorização da cultura popular. Os mecenas também devem fazer um esforço para apoiarem iniciativas culturais que incidam nas zonas mais desfavorecidas culturalmente.
Urge melhorar a rede de bibliotecas da região autónoma da Madeira e ampliar o acervo das mesmas, pois algumas têm as prateleiras abarrotadas de livros na sua maioria antigos e para piorar a situação, raramente atualizam-se. Descentralizar a cultura passa também pelo construir, modernizar e não esquecer a manutenção dos espaços culturais que degradam-se com o tempo e mau uso – ou abuso. Descentralizar a cultura é apostar na formação de públicos, envolvendo-os com os outros e a sua comunidade. Apostar na circulação de atividades artísticas e culturais que valorizem a memória e a identidade local. ”O conceito de «património cultural imaterial» abrange as práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões tradicionalmente reconhecidos pelas comunidades como fazendo parte do respectivo património cultural, bem como os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais a eles associados.” Fonte: http://www.direitosedeveres.pt/.
Cada comunidade deve procurar elevar-se e dar-se a conhecer com as suas diversidades culturais, os  seus costumes as suas tradições. Pois a cultura vai desde o que se herda ao que se conquista e cria-se dia a dia. E só com uma sociedade mais culta é que podemos melhorar a democracia e a autonomia.
                                                                                                                            |Zé Abreu