sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Talento versus Sucesso

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Quando nos surge a palavra talento, lembramo-nos logo de alguém, conhecido ou não, que é detentor de uma grande inteligência, criativo, extremamente hábil ou com alguma aptidão notável, natural ou adquirida, que fomenta o êxito numa determinada atividade.
Para começar, é bom deixar claro que quase todos têm um talento ou alguns talentos, mas esses talentos precisam ser descobertos e, principalmente, desenvolvidos.
Pois o verdadeiro artista, desportista ou outro profissional qualquer, forma-se com trabalho, dedicação, errando e aprendendo com humildade. Claro que o fator sorte, também ajuda – e muito – a se atingir o sucesso de projetos nos mais diversos âmbitos.
Mas nas palavras de Hector Berlioz “a sorte para ter talento não é suficiente, é preciso ter talento para a sorte.”
No entanto, quantas pessoas conheceram que, realmente tinham o talento que precisavam para serem bem-sucedidas, mas, mesmo assim, não tiveram sucesso nas suas carreiras? Lá está a sorte, ou melhor, a falta dela, dirão muitos de vós. Mas outras pessoas não tiveram êxito contínuo, nas suas carreiras, por não saírem da sua zona de conforto, julgando que o caminho seria sempre fácil, apoiando-se simplesmente no seu talento em vez de desenvolvê-lo.
De acordo com esta ideia está o compositor Irving Berlin, quando disse: “a pior coisa do sucesso é que temos de continuar a ser um sucesso. Talento é só o ponto de partida. Temos de continuar a trabalhar esse talento”.
Para se atingir o sucesso, há que investir tempo, energia, ter confiança nos objetivos. A realização de um sonho depende muito do apego consistente que se dá ao mesmo. E não ficar, simplesmente, à sombra da bananeira, à espera que as coisas aconteçam por si só.
Para detetarmos, incentivarmos e melhorarmos os talentos no nosso país, temos que incrementar ideias empreendedoras no sistema educativo desde o nível básico ao superior, envolvendo as empresas e as comunidades.
Perante o tão diverso mundo artístico ou desportivo, o papel do professor, orientador, deve ter também em atenção a capacidade de detetar e potencializar os talentos das crianças e jovens. Contactámos diariamente com alunos muito habilidosos e outros que até demonstram um talento natural, – que é uma das maiores dádivas da vida – porém, se não forem incentivados e bem orientados dificilmente atingem patamares de excelência. Um professor realiza-se orientando também os talentos que vai descobrindo. Pois, tal como os diamantes, os talentos necessitam de serem lapidados.
A aposta na formação é essencial, mas também conhecemos nas diversas áreas pessoas que conseguiram o sucesso sem tirarem diplomas. E muitos sãos os líderes talentosos, disciplinados nas suas ações, que possuem um alto padrão de desempenho. No entanto, a maioria das pessoas que são bem-sucedidas, são empreendedoras, exigentes consigo mesmas e com os outros. Demonstram prazer nos desafios, têm pulso, garra e gostam de competir. São pessoas inspiradoras que vendem ideias, que realizam enquanto os outros desejam.
Dir-me-ão que tudo isto é muito bonito, com muitos exemplos que deviam servir de inspiração, mas que na prática as coisas não são bem assim. E estou de acordo com vocês. Quantos jovens estudantes, atletas, artistas com elevado potencial, muito acima da média, “desnortearam-se” durante o seu percurso de formação? O que mostra que não basta ter só talento é preciso muita dedicação, muito trabalho e esforço, para se chegar e manter o sucesso. Temos que refletir constantemente se estamos a investir a quantidade de tempo suficiente para melhorar. Pois só o talento inato não basta.
Talento sem ação não gera realização. O talento é uma aptidão especial que pode e deve ser desenvolvido. Um bom exemplo é o percurso desportivo de Cristiano Ronaldo, que foi sempre em crescendo. Atualmente com três bolas de ouro e uma marca avaliada em milhões e milhões de euros. Devemos ter sempre em conta que de uma forma mais segura “todo o talento é 1% de inspiração e 99% de transpiração”.
Já que referimos um talento desportivo, entre outros tantos que têm surgido nas diversas áreas na nossa ilha, não esqueçamos também o talento e sucesso da jovem madeirense Micaela Abreu, que tem brilhado no Got Talent Portugal, programa da RTP 1.
Alguns acham que o talento é a resposta para todos os problemas, no entanto, há que construir um alicerce bem seguro, tomando escolhas importantes para que se possa maximizar o talento de qualquer pessoa, desde o acreditar, o gostar, o agir, o focar-se, o prepara-se, o praticar, o ter coragem, abertura, carácter, procurar relacionar-se, ser responsável e cooperar na hora de aprender e ensinar.
Em 2013 realizou-se no nosso país um Estudo para o Desenvolvimento do Talento em Portugal numa iniciativa promovida pela COTEC Portugal e pela Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com a everis Portugal, e com o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Ex Presidente da República, que teve como objetivo elaborar um estudo sobre a identificação, desenvolvimento e realização do Talento em Portugal.
Sua Excelência o ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva escreveu no prefácio desse estudo que: “No plano interno, importa identificar e estimular as potencialidades e os talentos dos nossos jovens, sejam eles investigadores e cientistas, empresários ou trabalhadores, criadores e artistas, ou voluntários que dão o melhor de si ao serviço dos outros e do bem comum. As qualificações e os méritos das novas gerações devem ser enquadrados e transformados em valor. Aqui reside o maior ativo estratégico de Portugal.”
Ainda neste estudo da COTEC (http://www.cotecportugal.pt/talento/), lê-se: “O talento também não é hereditário, não escolhe idades, nem é estanque ao longo da vida. Sobretudo, ter talento não é equiparável a ter sorte e não é, só por si, uma condição suficiente para alcançar o sucesso”.
Não tenhamos dúvidas que o talento é uma área que diz respeito a todos, por ser primordial para o desenvolvimento de cada cidadão junto das comunidades, tornando-as mais ativas e assim, contribuir também para uma economia mais dinâmica e competitiva.
Também para atingirmos o sucesso de uma região, como a Madeira, deve-se ter em conta tudo o que se passa globalmente para agirmos ainda melhor localmente. Mesmo sabendo que é difícil manter o sucesso em alta, o importante é não desistir perante as dificuldades e agir com confiança. Termino com estas palavras de alento, bem conhecidas e inspiradoras: “Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo.” Fonte: (https://recreiodasletras.wordpress.com/2009/02/28/fernando-pessoa-pedras-no-caminho/).

sábado, 23 de dezembro de 2017

O Teatro na Madeira (não) está longe das luzes da ribalta

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O Teatro na Madeira tem sido ao longo dos tempos, proposto e levado ao palco como uma atividade recreativa e de ocupação de tempos livres, mas também como instrumento fundamental na formação e educação artística e cultural de todos os indivíduos. Imensos grupos de Teatro têm surgido e outros, naturalmente, se extinguindo. Mas a verdade, é que os grupos de Teatro têm sido um contributo não só de diversão e prazer, como também de educação formal e não formal para os envolvidos. De acordo com esta ideia está Peter Brook, ao afirmar que: “O Teatro é, para aquele que o faz, um exercício permanente. Representar, aceitar o desafio do jogo, é, assim, aceitar melhorar-se através do prazer, o que faz do Teatro um instrumento fantástico da educação.” (Mencionado http://teatronaeducacao.blogspot.pt/).
Ao consultarmos o significado da palavra Teatro no Grande Dicionário da Língua Portuguesa (2004, p. 1477), da Porto Editora, encontramos o seguinte: “Teatro é o lugar ou edifício onde se representam obras dramáticas e outros espetáculos; arte de representar; profissão de ator ou atriz; coleção de obras dramáticas de um autor, época ou país; conjunto da literatura dramática. Do grego théatron, “lugar donde se vê um espetáculo”, pelo latim teatru.“ Para Stanislavski, citado por Kusnet (1968, p. 18), “a arte dramática é a capacidade de representar a vida do espírito humano, em público e em forma artística.” Já Fonseca (2012, p. II) sublinha que o Teatro é uma: “forma de arte dinâmica, em que vemos homens e mulheres em ação (…) É uma forma de expressão humana, partilhada entre público e atores, que tem lugar no presente, mas que nos transporta para outros tempos e lugares.” Como se constata, a palavra Teatro tem vários significados e interpretações consoante o contexto em que é utilizada e desenvolvida.
Atualmente na Madeira existe grupos de Teatro em plena ação, com diversas atividades e em vários contextos. Só para ficarem com uma ideia, acontece na Madeira, anualmente, mais de uma dezena de festivais de Teatro, em diferentes âmbitos e que abrange diversas faixas etárias, tais como: O Festival Regional de Teatro Escolar “Carlos Varela”, no Funchal, o Amo-Teatro, na Camacha, a Mostra de Artes de Palco, no Estreito de Câmara de Lobos, o Encontro-TE (Encontro de Teatro-Educação) na Ponta do Sol, o Encontro de Teatro das Casa do Povo da RAM, em Santa Cruz, o Festival de Teatro de Machico, o Encontro de Teatro Sénior, em S. Roque do Faial, o Encontro de Teatro Comunitário, o Festival “et7ra&TAL” no Funchal, o Festival Avesso, na Ponta do Sol e ainda o Encontro de Teatro das Misericórdias da Madeira, em Santa Cruz. Obviamente, que alguns destes eventos têm pouca expressão junto da comunidade onde estão inseridos, mas têm todo o mérito. Outros, porém, apresentam-se ”à grande e à francesa”, convidando e pagando a grupos de fora da ilha e outros apesar dos poucos recursos vão se mantendo e organizando, efetivamente, as suas atividades teatrais com e para a comunidade.
É de mencionar que o ensino do Teatro também tem, desde há uns anos, o seu lugar bem marcado em algumas instituições regionais. Podemos começar pela Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia, que disponibiliza o Teatro no âmbito das atividades artísticas extraescolares. O Conservatório, Escola Profissional das Artes da Madeira, – Eng.º Luíz Peter Clode, tem à disposição dos alunos que transitam para o secundário, o Curso Profissional de Teatro.
Um destaque especial para a Escola Básica e Secundária da Ponta do Sol que disponibiliza aos seus alunos, de forma ininterrupta, o Teatro como disciplina de educação artística no 3º ciclo do ensino básico, desde o ano letivo 2003-2004. Esta escola, foi pioneira na Madeira e atualmente é o único estabelecimento de ensino Madeirense a oferecer o Teatro como opção de educação artística nos 7.ºs e 8.ºs anos de escolaridade.
O Teatro como género de arte, nos seus mais variados contextos – amador, profissional, educação – é “simultaneamente manifestação de cultura e meio de comunicação do conhecimento cultural.” (Roteiro para a Educação Artística, 2006).
Felizmente, há grupos de Teatro ativos na maioria dos concelhos da RAM. Grupos amadores? Sim, grupos que amam o Teatro. E que não são subsidiodependentes. São grupos genuínos, sem seleção dos ditos melhores, mas com a inclusão de todos.
Num patamar mais organizado e com um trabalho artístico-teatral continuo, encontra-se o Teatro Experimental do Funchal que no presente ano está a comemorar o quadragésimo aniversário. Depois temos alguns grupos de Teatro ativos afetos, diretamente, às casas do povo, que são um exemplo do que pode ser o “Teatro e Comunidade”. Há que referir também os grupos de Teatro escolar, onde crianças e jovens desenvolvem uma experiência teatral no âmbito das atividades de enriquecimento curricular. Ainda bem que há várias escolas que disponibilizam aos seus alunos o Teatro, pelo menos, nas atividades extracurriculares. Pois de acordo com Redondo Júnior (1978), “a juventude pode salvar o teatro.” Existe também cerca de meia dúzia de associações, companhias de Teatro que vêm desenvolvendo regularmente projetos teatrais de interesse na nossa região, como por exemplo, a Associação “Companhia Contigo Teatro”.
Mas, importa referir que um grupo de Teatro que se preze, é aquele coletivo que apresenta espetáculos de forma esporádica e não somente, de tempos a tempos. Essa história de formar um grupo de Teatro só com o intuito de aproveitar subsídios ou apoios públicos para realizar um ou dois espetáculos, é muito pouco. Há grupos de Teatro que se formam e se apresentam com pompa e circunstância e depois, infelizmente, terminam num abrir e fechar de olhos.
O Teatro madeirense, naturalmente, está muito orgulhoso do que tem feito, mas pode e deve ir mais longe, pois, ainda encontra-se longe das luzes da ribalta.
O Teatro nos diferentes âmbitos, é essencial para o desenvolvimento de um panorama artístico dinâmico, cultural e socialmente atuante. Nas palavras de Frederico Garcia Lorca “um povo que não ajuda e não fomenta o seu Teatro, se não está morto, está moribundo.” Assim, neste mês do Teatro, seria, culturalmente normal e correto, refletirmos sobre o significado, a importância e a relevância do Teatro na Madeira? Espero que este artigo seja um contributo para pensarmos e agirmos mais com Teatro.
Apesar de só termos um Teatro na Madeira (Teatro Municipal Baltazar Dias), muitos são os auditórios espalhados pela Madeira, incluído o Porto Santo, com condições muito interessantes para apresentar-se espetáculos de Teatro. Mas nos locais onde não existe estes auditórios, há sempre um salão paroquial, uma sala polivalente ou um espaço ao ar livre, onde se pode conceber e mostrar uma representação teatral. O Teatro acontece e prospera em qualquer palco. “Posso chegar a um espaço vazio qualquer e usá-lo como espaço de cena.” Peter Brook (2008, p. 7)
E enquanto aguardámos a mensagem do dia mundial do Teatro, que também nos alenta, ficámos à luz destas opiniões, ideias, que nos levam refletir sobre a aplicação e o exercício do Teatro na RAM. Acreditamos que conhecendo processos, identificando problemas, analisando conceções e motivações à volta desta arte, pode-se contribuir para a consolidação do Teatro como prática comum na vida dos cidadãos madeirenses. Pois, pegando nas palavras de Almeida Garrett, “o Teatro é um excelente meio de civilização, mas não prospera onde não há.” E agora, chiuuuuu! Silêncio! Que já se ouve as pancadas de Molière. O espetáculo vai começar!
| Zé Abreu

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Captação de imagens “a torto e a direito”

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Vivemos numa época, onde as pessoas utilizam diferentes tecnologias de captação de imagem, quer fotográfica, quer vídeo, para registarem tudo o que vêm. Vivemos num tempo, onde os dispositivos fotográficos se tornaram uma presença constante nas nossas vidas. Com o aparecimento das redes sociais a fotografia ganhou espaço, admiradores, mas também alguma banalização.
Evidentemente, sabemos também que, cada cidadão tem o direito da sua imagem, aliás, é um dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República Portuguesa. Mas, há que distinguir as diferentes situações de captação de imagens, sem nunca esquecermos que existe “o direito de uma pessoa não ser fotografada e não ver o seu retrato exposto, reproduzido ou comercializado sem o seu consentimento. Trata se de um direito fundamental ligado à própria personalidade, pelo que a lei deve protegê lo, juntamente com o direito à salvaguarda das informações relativas à pessoa e à sua família.” Consultado em: http://www.direitosedeveres.pt/q/vida-pessoal-e-familiar/imagem.
Embora, ao interpretarmos o artigo 79.º do Código Civil Português, vemos que o direito à imagem é um direito pleno. Realmente, o que a lei pune não é a recolha de imagens, mas a sua difusão sem o consentimento do titular do direito. Porém, não vamos ser mais papistas que o papa, visto que a consagração deste direito fundamental, do direito de imagem, não implica que não se possa, tirar fotografias, pois, não é necessário consentimento para fotografar pessoas, nas seguintes situações: quando estas sejam figuras públicas; quando participam em eventos públicos; quando a sua imagem surja enquadrada em locais públicos. A recolha de imagens é livre quando corresponde a um fim cultural. A difusão de imagens de pessoas em espaços públicos ou com fins culturais só é proibida quando constitui ofensa à honra, reputação ou simples decoro da pessoa visada. No entanto, podemos discutir o que se entende por fins culturais.
Mas muito preocupante mesmo é a captação de imagens, “a torto e a direito”, durante os espetáculos na sua generalidade. À partida o espetador compra o bilhete para ver e não para fotografar o espetáculo. Para poder-se fotografar de forma legal um evento, será sempre necessário a autorização dos responsáveis pelo espaço e/ou organizadores do evento. No entanto, muitos tiram, montes de fotografias, e ainda descarregam, descaradamente, tudo nas redes sociais. Nem se dão ao necessário trabalho de selecionar, somente algumas que representem dignamente a situação. Como se alguém se desse ao trabalho de visualizar dezenas e dezenas de fotografias. Será mais ajustado colocar as melhores fotografias, que fiquem na memória das pessoas, pois parafraseando, o fotógrafo Joel Santos “uma boa fotografia é aquela que, ao ser observada, fica para sempre na nossa memória”. É sempre chato, uma pessoa ser alvo de partilhas e comentários nas redes sociais sem o seu conhecimento. Alguns, nem respeitam as solicitações das produtoras dos eventos, quando colocam nos programas ou na entrada das salas de espetáculo, algo semelhante a isto: por razões de licenciamento e de segurança, todas as câmaras fotográficas e de vídeo são estritamente proibidos. Consultado em: https://www.cirquedusoleil.com/quidam/faq.
Há que, no mínimo, pedir (antecipadamente) uma autorização à organização do espetáculo, para se poder captar as imagens. Pois é verdade que muitas das vezes à socapa, alguns tiram as fotografias, mas aí, já entramos no campo da falta de respeito. É importante não esquecer que também existem direitos de imagem sobre estes eventos. Se tivermos estes cuidados, evitamos casos tão polémicos como o da foto do fotógrafo português Daniel Blaufuks usada (sem respeitar os direitos de autor), por ocasião da inauguração do Museu de Arte Contemporânea.
Embora muitos se façam desentendidos, à partida, todos deviam saber que é expressamente proibido filmar, gravar ou fotografar durante os espetáculos. Tal como é proibido fumar, comer ou beber no interior das salas de espetáculos. Os telemóveis também devem ser desligados e não usados para fotografar e filmar.
Sei da importância de construir-se uma narrativa de imagens, para futura retroação ou nem que seja, simplesmente, “para mais tarde recordar”. Mas o que me indigna é não poder usufruir, normalmente, de um espetáculo na sua integridade, sem ser perturbado com uma avalanche de cliques e flaches disparados em direção o palco e que nada têm a ver com o mesmo. Os autores destas fotografias, nem pensam que estragam o desenho de luz planeado para o espetáculo. Os flashes perturbam os artistas de teatro, por exemplo, que precisam de estar concentrados nas suas personagens, na sua energia interior. E perturbam também os espetadores. Se preferem assistir, aos espetáculos, através das objetivas e ecrãs, ao menos desliguem os flaches. Palco e plateia agradecem!

Numa sala de espetáculos o fotógrafo deve evitar, ao máximo, movimentos, pois são um foco de atenção – e de distração ¬ – muito forte. Ao fotografar um espetáculo de artes performativas, por exemplo, deverá assistir se possível, primeiro a um ensaio, falar com a produção do espetáculo, com o encenador, o luminotécnico, para que desta forma tenha uma melhor interpretação sobre aquilo que vai fotografar.
Em alguns espetáculos que assisti, de teatro, dança, música, moda, havia sempre pelo menos um fotógrafo, “improvisado”, que quase se tornava na personagem principal, tal era a sua movimentação. No mínimo, devem manter-se num local fixo, de forma a passarem discretos e não atrapalharem a visão dos espectadores. O fotógrafo deve evitar também rever as fotos no local onde a está a decorrer o espetáculo e deve usar roupas de cor escura para não interferir na concentração dos espetadores.
Também é verdade que, por vezes, são os próprios promotores do evento, que passam o tempo a capturar imagens. Assisti, há pouco tempo, a um concerto de música e o apresentador informou a plateia que era proibido a obtenção de fotografias. Mas ao mesmo tempo estava ser “bombardeado” com fotografias tiradas, na maioria, por pessoas ligadas ao evento. É caso para perguntar: em que ficámos?

E será que sabemos – ou não – que fotografar também é uma arte? Será que basta a fotografia refletir a visão do artista, para ser considerada como arte? Em boa verdade, a fotografia ainda não é vista pela maioria das pessoas como uma forma de arte. Uma fotografia como arte, não é uma questão de destreza, mas de sensibilidade artística. Não tenho dúvidas em considerar a fotografia uma forma de expressão artística, quando um artista pensa e idealiza a mensagem da obra fotográfica com critérios técnicos, emocionais e também com valor estético.
Mas pegando nas palavras da fotógrafa Belga, Martine Franck: “uma boa foto é aquela que abre a sua imaginação, que traz emoção.”
E já que estamos a falar de fotografia, nada melhor para terminar este artigo de opinião, do que a célebre expressão popular: “Olha o passarinho!”.
                              
                                                                                                                            |Zé Abreu

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Há tantos museus (in)eficazes

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Como podemos ler na página da internet do Comité Nacional Português do ICOM, “o museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite.” Consultado em: http://www.icom-portugal.org/default.aspx.
Sendo um museu, à partida, uma instituição sem fins lucrativos, por vezes, ficámos boquiabertos com o valor altíssimo dos ingressos para visitar certos museus. Muitos até não têm, lamentavelmente, ingressos mais favoráveis para famílias, jovens, idosos, estudantes e pessoas com necessidades especiais.
Pegando na premissa dos museus estarem ao serviço da sociedade, seria correto e aconselhável que o surgimento de novos espaços museológicos, fossem bem programados, de forma a satisfazer diversos públicos, de diferentes idades e com distintos interesses e possibilidades. Que sejam locais onde as pessoas se sintam bem-vindas e deem importância aos museus, como algo imprescindível para a construção de uma melhor coesão social, cultural e económica de uma sociedade livre e aberta.
Ao pensarmos num bom serviço em prol da sociedade, devemos ainda, descentralizar a localização de supostos novos museus, porque estas instituições culturais atraem público e mexem, para melhor, a pequena economia local.
Só congregando esforços de técnicos de museus, educadores, professores, encarregados de educação é que poderemos ter uma melhor educação museológica. Pois, visitar um museu é desenvolver os valores e a sensibilidade estética, aceder à informação de qualidade, estimular o sentido crítico, a curiosidade e a capacidade de reflexão.
As práticas museológicas capacitam-nos e fazem-nos pensar o mundo através da arte. O contacto com a arte museológica é necessário para o exercício de uma cidadania plena. Daí a importância dos museus serem instituições eficazes, não só na diversidade de coleções, de espaços e instalações, mas também na apresentação de atividades educativas e culturais realizadas de forma paralela com a atividade principal do museu e, ainda, terem sempre uma boa relação de proximidade com a comunidade. Nenhuma sociedade pode desenvolver-se sem apostar fortemente na componente cultural.
Criar o hábito de visitar os museus é estimular a educação museológica ativa e promover a diversidade cultural. Pois, como refere a Unesco, “ os museus são mais do que locais onde os objetos são exibidos e conservados.” Consultado em: http://en.unesco.org/themes/museums.

Um exemplo de boas práticas museológicas, na nossa região, acontece no Museu de Imprensa da Madeira, em Câmara de Lobos, onde além de termos a oportunidade de conhecer a História da Imprensa na Madeira e a sua evolução tipográfica e tecnológica, ao longo do ano, decorre naquele espaço, diversos encontros de interesse público, como: conferências, lançamentos de livros, concertos solidários, espetáculos artísticos, exposições temporárias, sessões solenes, workshops e seminários.
Entre outras atividades bem conseguidas destaco, ainda, os seguintes projetos associados a espaços museológicos: ”Música Conversada”, no Museu Quinta das Cruzes, numa iniciativa de Vítor Sardinha. É de realçar também a dinâmica que se criou com o novel Museu de Arte Contemporânea da Madeira, localizado na Calheta, que já recebeu um largo número de visitantes, desde a sua inauguração, a 8 de outubro de 2015. E muitos destes visitantes usaram o novo serviço de transporte associado ao museu, o “Mudas Bus” que, nos dias de funcionamento daquela instituição, faz o trajeto entre o Funchal e a Calheta, e vice-versa, sendo que o custo do bilhete, equivalente a 10 euros, já inclui o valor do ingresso para visitar o espaço museológico.
Uma bonita iniciativa foi também a exposição do Museu Nacional de Arte Antiga, inaugurada em fins de setembro de 2015. Este museu espalhou 31 réplicas de quadros da sua coleção pela baixa de Lisboa. Apesar de algumas obras terem sido levadas, aplaude-se esta ideia expositiva de aproximar a arte e a cultura dos que podem e dos que não podem pagar para entrar num museu.
Entre outros, estes são bons exemplos do papel dos museus junto da sociedade, enquanto muitos museus só se lembram em realizar atividades no dia internacional dos museus. E já agora, há que começar a preparar a comemoração do próximo Dia Internacional dos Museus (18 de Maio de 2016) tal como o ICOM – Conselho Internacional de Museus, que já está a preparar a celebração dessa data em torno do tema “Museus e paisagens culturais”.
Durante o ano, os museus, devem ter iniciativas à volta dos cuidados e preservação dos seus acervos, mostrando a sua força e originalidade, enquanto espaço cultural para a salvaguarda do património que está ao seu dispor. A partir destas iniciativas desenvolvidas no universo dos museus também se erguem pilares para uma sociedade mais inclusiva e assim, apoia-se a criatividade, a inovação e o surgimento de novos setores culturais.
Cultura museológica interessa, porque também é um pouco de nós que ali está, que contribui para uma sociedade mais culta, informada e sustentável. Por isso, é que os cidadãos devem desejar e valorizar os museus junto das comunidades, porque estes espaços servem para educar e sensibilizar para a importância do acesso à cultura e transmissão do património cultural às gerações futuras.
É fundamental que todos o envolvidos com as instituições museológicas conheçam e utilizem o Código Deontológico do ICOM, como um instrumento indispensável para o bom desempenho da sua atividade. Os museus devem ter uma gestão criativa que contribua para uma cidadania responsável, que estimule a criação de associações de amigos dos museus, o mecenato e o voluntariado. É ainda papel dos museus apresentarem publicações periódicas na área da museologia, terem os seus sites atualizados, adaptando-se à sociedade das novas tecnologias – lamentavelmente, alguns nem sítio da internet têm – e disponibilizarem boletins informativos sobre os seus acervos e sobre o que acontece esporadicamente. Devem ter os Serviços Educativos ativos, que além das tradicionais visitas orientadas, possam desenvolver um projeto cultural diversificado e multidisciplinar, desde o dinamizar oficinas criativas, ações de sensibilização, conferências e outras atividades que tenham alguma ligação às questões museológicas. Importa, este diálogo com a comunidade, de forma a gerar comunicação, reflexão e manifestar interesse dos cidadãos em visitar os espaços museológicos.

Finalmente, achamos que é tempo do património cultural e museológico entrar na ordem do dia, como uma janela aberta para o debate cultural e um caminho para a inteligência coletiva. Assim, de forma a celebrar a importância dos museus na sociedade contemporânea, vamos todos procurar, neste novo ano de 2016, usufruir e valorizar a arte museológica que leva as pessoas a viajar pelas suas e outras culturas.
                                                                                                 2017-11-17 | Zé Abreu