sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Aprender implica ler, dentro e fora de portas

wpid-icon-ze-abreu.pngA preocupação com a importância e relevância da leitura é antiga, e continua a ser na sociedade hodierna, um assunto muito sério, que diz respeito a todos, a começar pela família, passando pela escola e abrangendo a comunidade em geral.

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Uma sociedade que domine a leitura e a escrita é certamente uma sociedade mais equitativa, feliz e criativa. Mas temos que estar conscientes que o exercício de ler, não se limita à escola, deve ser um hábito saudável em casa, nas férias, diria mesmo, uma companhia permanente na nossa vida.
O gosto pelo livro e pela leitura deverá ser incutido desde muito cedo. A vivência das crianças junto de pessoas que leem, seja a mãe, o pai, o irmão, o professor, é o melhor exemplo para que adquira o gosto pela leitura.
O ideal seria termos alunos que lessem por prazer e conscientes da sua importância no desenvolvimento cognitivo, nas suas aprendizagens, no impacto dos resultados escolares e até no desenvolvimento de uma cidadania mais proativa.
Por falar em alunos, no presente ano letivo tenho frequentado duas bibliotecas escolares e verifiquei que a presença de professores nesses espaços era muito fraca. Num desses locais, a responsável pela biblioteca escolar referiu que a maioria dos professores dessa escola não passa uma única vez pela biblioteca, durante o ano letivo. Provavelmente, esta situação não se aplica a todas as bibliotecas escolares. Mas é caso para perguntar: Como pode um professor ser um exemplo de bom leitor para o aluno, ou mesmo aconselhar, vivamente, a leitura, se o próprio docente não frequenta a biblioteca escolar? E já agora, os encarregados de educação, quantas vezes acompanham os filhos a uma biblioteca? Também, custa tanto ver bibliotecas escolares na nossa região que não recebem, diariamente, pelo menos um dos nossos matutinos, em papel, para que os alunos os possam ler e estar informados sobre o que se passa na região e forra dela. Como podemos falar em sucesso educativo com estas lacunas?
É verdade que na promoção da leitura e do livro, como temos vindo a defender, não podemos tomar só como ponto de referência a escola, primeiro a família deve ler e ter o bom hábito de possuir livros em casa. Quem não tem disponibilidade financeira para investir em livros, não é desculpa, pois hoje não há concelho que não tenha, pelo menos, uma biblioteca onde se pode requisitar, gratuitamente, livros dos vários géneros literários.
Atualmente, nas bibliotecas e no mercado, existe um vasto leque de livros, para as diferentes idades e para todos os gostos. Desde ficção, aventura, poesia, romances, contos, novelas, peças de teatro, banda desenhada, etc. O importante é que o livro se adeque à idade do leitor, para que ele não se aborreça. Outros critérios a ter em conta na escolha dos livros para crianças, por exemplo, são os conteúdos ajustados às idades dos leitores, os autores de prestígio, a qualidade das ilustrações e a própria apresentação dos livros.
No tocante à promoção da leitura e do livro, poderíamos mencionar vários exemplos de excelência a nível nacional e regional. Cá na Madeira, destacaria o Baú de Leitura que “é um projeto escolar da Secretaria Regional da Educação, implementado na Região Autónoma da Madeira em 2001, com o apoio da Fundação Gulbenkian, cujo objetivo principal é promover hábitos de leitura e escrita, junto dos alunos de todos os níveis de ensino.” Consultado em: http://projetos.gov-madeira.pt/baudeleitura/Pagina-Inicial/Sobre-o-Projeto.
O Baú de Leitura é um bonito projeto de partilha de recursos à volta do livro entre escolas, bibliotecas, alunos, professores, educadores de infância, mediadores e animadores de leitura e técnicos-bibliotecários que realizam atividades conjuntas, como passatempos, exposições, palestras, saraus, tertúlias literárias, atividades de escrita criativa, investigação temática, dramatizações, visitas de estudo, intercâmbios culturais, atividades de expressão artística e plástica, visionamento de filmes, audição de histórias, encontro de escritores, comemorações de efemérides, concursos de declamação e de soletração, tudo com o objetivo maior de implementar o gosto pela leitura.
A nível nacional, ninguém terá dúvidas do pertinente papel que Plano Nacional de Leitura, tem desempenhado nestes quase 10 anos de plena atividade, com a objetivo de contribuir para elevar os níveis de literacia dos portugueses.
Então, não se compreende, como já foi anunciado, infelizmente, que o Plano Nacional de Leitura, que foi criado em 2006, terminará a sua atividade no próximo ano. Esperemos que, no mínimo, surja outro projeto que possa contribuir para melhorar os hábitos de leitura e escrita dos portugueses, desde os mais novos, envolvendo a comunidade escolar, os alunos, os docentes, os educadores, os animadores de bibliotecas e os pais.
Ainda a nível nacional gostaria de realçar o projeto das “Histórias da Ajudaris” que foi criado em 2009, com o objetivo de reunir numa obra coletiva contos escritos por e para crianças, coorientadas por professores solidários em contexto de sala de aula, abordando temas como a cidadania, os afetos e a educação ambiental. A ilustração destes contos criados pelas crianças de diversos estabelecimentos escolares é feita, solidariamente, por ilustradores convidados. Os exemplares destas “Histórias da Ajudaris” escritas com a imaginação e criatividade das crianças, podem ser adquiridos através do seguinte correio eletrónico: geral@ajudaris.org.
Não podemos falar numa sociedade do conhecimento sem hábitos de leitura, pois hoje ler e escrever são ações indispensáveis na vida de qualquer cidadão. E já que o Natal aproxima-se, que bom seria incluir nas hipóteses de presentes, o livro.
Não tenhamos dúvidas que a formação de leitores, também passa por uma adequada aposta na educação básica e na sua continuidade ao longo dos diferentes ciclos, no investir na criação e melhoria de bibliotecas públicas, incluindo as digitais, no apoio aos escritores, no surgimento de mais livrarias, editoras e feiras do livro.
De acordo com o sítio da internet do CITI (Centro de Investigação para Tecnologias Interativas da FCSH-UNL), “ aprender a ler não é um processo natural, como aprender a falar ou a andar. É um processo complexo que exige bastante acompanhamento. Para conseguir ler bem, é necessário e indispensável dominar a técnica da leitura e criar uma relação positiva com os livros. “ Consultado em: http://www.citi.pt/cursoslivres/leitura/.
Infelizmente, em Portugal, os níveis de domínio de leitura é muito preocupante, tanto na população adulta, como entre crianças e jovens. Assim, apesar de qualquer esforço que se faça, para aumentar os índices de leitura dos portugueses, se não se colocar o livro no centro da atividade escolar e uma importância no meio familiar, será impossível elevar os níveis de literacia no nosso país.
2016-09-02 | Zé Abreu

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Quem promove a Educação Artística na RAM?

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Toda a educação é um processo pelo qual o indivíduo assimila, descobre, transmite e aprende conhecimentos. E a educação artística, não foge a essa regra. Então, quem a promove? Ora, a educação artística pode ser desenvolvida no âmbito formal, isto é, de base escolar; ou no âmbito não formal, extraescolar, que são as atividades artísticas, de aprendizagem fora da escola. E ainda podemos ter contacto com a educação artística de uma maneira informal, adquirindo conhecimentos, habilidades e experiências ao longo das nossas vivências.
Assim, os indivíduos envolvidos em qualquer contexto de desenvolvimento de educação artística organizada, terão sempre, em princípio, uma experiência estética; uma maior consciência crítica; e uma melhor preparação para compreender e apreciar a arte.
Como sabemos, na Madeira, além da educação artística ser implementada no currículo escolar, temos um leque alargado de outras instituições e associações que, desde há muito, são responsáveis pelo ensino e educação das artes, a começar pelas bandas filarmónicas, as casas do povo, através dos seus diversos grupos artísticos, as associações culturais – como o Teatro Experimental do Funchal, com 40 anos ao serviço do teatro –, os grupos corais, os grupos de folclore, os museus, as galerias de arte. Num outro patamar temos o Conservatório – Escola das Artes – Eng.º Luíz Peter Clode e a Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia, que têm tido um papel fundamental na educação artística na nossa região. E já agora, como é do conhecimento geral, no próximo ano, estas duas instituições, serão integradas no Instituto de Artes da Madeira – para o qual se deseja desde já os maiores sucessos educativos e artísticos. Pois uma mudança será, à partida, sempre para melhor. Em princípio, ninguém muda ou se junta, para se manter tudo igual.
A Universidade da Madeira também tem dado o seu contributo em prol do desenvolvimento da educação artística, através da oferta de cursos e investigações com ligação ao campo das artes.
Mas independentemente da educação artística ser promovida pelo setor público ou privado, quando bem implementada, a sua utilidade, é certamente reconhecida como uma mais-valia para o desenvolvimento pessoal, artístico e cultural dos envolvidos.
A educação artística é um investimento que trás sempre retorno para toda a comunidade. Por isso, tem que ser apoiada como uma área essencial na educação. Mas como refere Alberto B. Sousa (2003:12) “a educação artística não é, pois, uma conceção recente e se não tem sido posta em prática é porque os poderes políticos têm dado preferência aos valores materialistas, excluindo tudo o que não produza rentabilidade económica imediata”.
No entanto, no decorrer do VI Congresso de Educação Artística, promovido pela Secretaria Regional de Educação, nos dias 9, 10 e 11 do passado mês de setembro, no qual marcámos presença, foi mencionado e bem, que a arte na educação pode e deve ter uma relação direta com o turismo, contribuindo até para o desenvolvimento da economia da região autónoma da Madeira, que depende muito, como sabemos, do setor turístico.
Importa evidenciar que no contexto escolar ou fora dele, desenham-se percursos artísticos, que marcam positivamente, a vida das crianças e jovens. Basta vê-los recordar, alegremente, momentos das suas participações, numa peça de teatro, numa coreografia, num espetáculo musical ou numa exposição. As crianças e jovens que têm a oportunidade de estarem em contacto contínuo com as artes, tornam-se, efetivamente, mais abertos para o mundo. Por isto, é que na perspetiva de Herbert Read (2002:13) “a arte deve ser a base da educação”.
Mas, infelizmente, em Portugal a educação artística tem andado num impasse. Basta repararmos na última Revisão da Estrutura Curricular que a Educação Artística, deu um passo atrás, pois no 9.ºano de escolaridade do terceiro ciclo do ensino básico, por exemplo, a opção de oferta artística deixou de ser possível. Até à data, um aluno que tivesse o Teatro, a Dança ou outra expressão artística como disciplina de opção no 7.º e 8.ºanos, já não pôde dar continuidade ao seu percurso artístico no 9.º ano, devido à sua retirada do currículo.
Já agora, é de salientar que a Escola Básica e Secundária da Ponta Sol, foi pioneira (e atualmente única) na Ilha da Madeira, a ter, ininterruptamente, o Teatro como disciplina de educação artística, no terceiro ciclo do ensino básico, a parir do ano letivo 2003-2004. Assim, com este projeto de oferta da disciplina de Teatro, disponibilizado pela escola, largas centenas de crianças e jovens, pontassolenses, têm sido uns autênticos “Artenautas” – que aprendem, descobrem, dinamizam, motivam, ensinam e viajam na educação, através da arte teatral. Fazendo desta arte da representação um complemento essencial na sua formação pessoal, artística e cultural.

Mas, além educação artística desenvolvida pelos diversos grupos inseridos na comunidade, o ideal seria mesmo que esta área tão essencial para a formação dos indivíduos, fosse considerada parte integrante do currículo em todos os níveis do sistema escolar e que não fosse somente presença nas atividades artísticas nos espaços extra curriculares.
A educação contemporânea tem que se afirmar, também, artisticamente, tem que desenvolver a literacia artística, começando por promover afincadamente a inclusão das artes na escola, porque constitui um processo basilar para o desenvolvimento da criatividade, da imaginação, do pensamento crítico, da inovação, da capacidade de comunicação e da liderança de todos os praticantes.
No sistema educativo contemporâneo faz todo o sentido pensar-se a educação artística baseada com a construção de redes e parcerias entre escolas, famílias, municípios e comunidade. A educação artística não pode ser assegurada por um só sector – seja público ou privado –, pois a sociedade civil tem um papel fundamental no acarinhar, apoiar, acolher e participar nos trabalhos de índole artístico. As artes são práticas que nos incutem uma cidadania ativa, e “são formas de saber que articulam imaginação, razão e emoção. A vivência artística influencia o modo como se aprende, como se comunica e como se interpretam os significados do quotidiano.” Consultado em: http://www.netprof.pt/pdf/Competencias_basicas/EducacaoArtistica.pdf
Como temos vindo a ver, a Educação Artística, não está confinada a uma única instituição, pois há experiências artísticas que acontecem dentro e fora do contexto escolar e ambas trabalham com sentido pedagógico e artístico, daí, terem um lugar de grande interesse na sociedade.
2016-08-21 | Zé Abreu

domingo, 14 de agosto de 2016

Antevisão dos 600 anos da descoberta e povoamento da Madeira

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Como referiu o notável camarolobense, Padre Eduardo Clemente Nunes Pereira, na sua mais emblemática obra literária, Ilhas de Zargo, “foi o arquipélago da Madeira o primeiro descobrimento português realizado no século XV, a primeira empresa marítima de mar-largo dos povos europeus (…). Com este descobrimento os marinheiros portugueses rasgaram horizontes novos à Náutica e à Cosmografia (…) descobriram e conquistaram, no espaço de um século, metade do Mundo. Pereira (1989, p.74).
É sempre pertinente recordarmos e revisitarmos esta obra, até porque preparamo-nos para receber e participar ativamente, assim se espera, nas comemorações dos 600 anos do achamento da Madeira. Festejar esta data não se trata de uma comemoração qualquer, mas sim, de um acontecimento único, pela sua magnitude e profundidade da história, da alma, do carisma e da tradição de uma região como a nossa. Tomara que saibamos honrar este legado, absolutamente notável e projetá-lo para um futuro melhor, que se possa rasgar novos horizontes para o desenvolvimento sustentável de todos os setores da região.
Serão as comemorações de seis séculos de um lugar onde todos se podem sentir bem acolhidos. Que seja uma festa da cultura que fala das pessoas e que chega às pessoas, com a criação, fruição e apresentação de projetos artísticos e culturais, de todos e para todos. Uma marca festiva onde as artes, o desporto e outras áreas de interesse, se possam afirmar como um espaço de encontro. Que todos se possam valorizar com arte, cultura e desporto.
Que seja uma programação eclética, marcada por uma notável diversidade, qualidade e quantidade de eventos. Que os grupos, as coletividades, proponham e apresentem afetivamente as suas propostas. Que não fiquem de braços cruzados, esperando pela iniciativa do setor público. Pois o papel do estado não pode, nem deve substituir o papel dos artistas, o estado deve é criar mecanismos para que os criadores possam conceber, apresentar e expor as suas ideias criativas.
Julgo que as missões mais importantes num acontecimento cultural, deste cariz, vão, ou devem ir muito mais para além do se apresentar espetáculos, exposições, livros, esculturas, pois deve ser igualmente, e acima de tudo, um importante fórum de reflexão e formação de públicos.
Esta celebração pode ser uma adequada temática para abordar-se em vários eventos, como por exemplo, através de algumas recriações históricas, no Festival Colombo e no Mercado Quinhentista em Machico, o que até vai ao encontro das pretensões do Governo Regional, que anunciou na última edição deste mercado medieval, que o mesmo deveria passar a integrar os eventos culturais da Madeira.
Ninguém tem dúvidas, que a diáspora também deve ser convidada e incentivada a participar ativamente nestas comemorações, pois os nossos imigrantes e descendentes, têm um papel importante que enriquece a cultura madeirense. Os imigrantes tiveram e têm impacto em todo o mundo, nos mais variados campos, o que deve ser uma honra para todos os madeirenses. Assim, no âmbito da realização do II Encontro das Comunidades Madeirenses, no próximo ano, poderá ser abordado a temática da emigração madeirense desde o seu início, procurando encontrar soluções, para problemas que afetam as partes e traçar caminhos profícuos de entreajuda com a região e as comunidades espalhadas pelo mundo.
O caminho do povo madeirense foi sempre feito contra muitas adversidades, mas nada nos fez desistir, ao longo dos tempos. Começámos por desbravar montanhas, trespassar vales com muita criatividade, traçar levadas com a força dos braços – hoje só com máquinas se faria tal obra –, e construir poios cultiváveis. Os nossos poios são uma referência paisagística única no mundo, pena é o uso do betão que tem sido uma constante nos muros que se tem construído nas últimas décadas.
Como comemorar também é valorizar, esperemos que, de uma vez por todas, se valorize mais e se dê condições aos genuínos artesãos, da nossa terra, como o picheleiro, o obreiro de vimes, as bordadeiras, os criadores de instrumentos tradicionais e de calçado regional, entre outros tantos. A diferença e a marca da nossa terra passa por aqui. Por enaltecer aquilo que é castiço. Por uma valorização real do que é nosso.
Seria normal e culturalmente correto que, se deixasse para as futuras gerações, um vínculo cultural desta data, com algo que perpetue no tempo, com grande valor histórico e arquitetónico. Algo que seja mais do que uma ideia escultórica. Porque não a requalificação do espaço que envolve as ruínas do Forte de São Filipe, no Largo do Pelourinho, ou que se recupere, se reconstrua alguns moinhos de água, a rota das levadas ou mesmo o Forte de São João Baptista, um imóvel histórico do século XVIII, situado na baía de Machico, por onde entraram em 1419 os nossos descobridores, João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo. E para isso, há que aproveitar os apoios comunitários, pois, como é público, “no período de 2014-2020 o Património Cultural deverá beneficiar de ainda mais investimentos da UE, por exemplo através dos Fundos Europeus Estruturais, do Programa-Quadro Horizonte 2020 e do programa Europa Criativa.” (http://www.gepac.gov.pt/patrimonio-cultural-em-destaque-em-relatorio-da-comissao-europeia.aspx).
Não vamos só pensar em construir algo de novo e deixar-se estragar o que existe. Devemos restaurar, salvaguardar e valorizar, o que recebemos como herança das outras gerações que nos antecederam, sabendo articular com a sociedade e a criação contemporânea. Saímos todos a ganhar com algo que possa enriquecer ainda mais o património histórico-cultural madeirense.
Que não se assista, somente, à realização de projetos que já fazem parte da agenda cultural da região e onde se acrescenta, matreiramente, ou melhor dito, inteligentemente, – no âmbito das comemorações dos 600 anos da descoberta da Madeira. Que se inclua sim, mas que acima de tudo, se vá mais longe.
A região não existe, verdadeiramente, sem o contributo das artes e da cultura em geral. Assim, o atual momento comemorativo é excelente para se refletir e respeitar o passado de forma a preparar melhor o futuro, servindo simultaneamente a comunidade.
Que tal, no próximo espetáculo pirotécnico, na passagem de ano de 2016 para 2017, darmos já, as boas vindas às comemorações dos 600 anos de descoberta da Madeira? E estas comemorações, poderiam ser também o tema aglutinador do fogo de artifício de 2017 para 2018.
Obviamente, que devemos procurar parcerias para que se possa acolher projetos regionais, nacionais e internacionais, de forma a abrir as portas da Madeira, a um sem número de atividades de divulgação da cultura, com gentes das mais variadas formações e proveniências. Esperemos que se aposte numa celebração aberta ao público, aos artistas, às cidades, à região, ao país e ao mundo, dando a conhecer o que aconteceu, o que acontece e o que poderá acontecer numa perspetiva futura com a Madeira.
Realmente, 600 anos são muito tempo, daí, merece uma comemoração à altura, por exemplo, com uma performance realizada por obras que ocupem um território abrangente, com 600 intervenientes: criadores, artistas, autores, indo desde a dança, ao teatro, às artes plásticas, à música, ao folclore, à etnografia, ao cinema, à fotografia, à arquitetura, passando, inevitavelmente, pela literatura e ainda incluindo o artesanato com novas propostas para o uso moderno e contemporâneo, e até o video mapping em articulação com os cursos de Arte e Multimédia ou Ciências da Cultura da Universidade da Madeira.
Também, a participação de gestores culturais, artistas, produtores, estudiosos da cultura, escuteiros e escoteiros e demais interessados em geral, é muito importante, nestas comemorações para uma efetiva reflexão democrática sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade da cultura.
Interessa mesmo que esta comemoração dos 600 anos da descoberta e povoamento da Madeira, seja um evento participado, crítico, enraizado na cultura local e simultaneamente aberto ao mundo, para um melhor conhecimento deste arquipélago formado pela Madeira, Porto Santo, Desertas e Selvagens.
2016-08-14|Zé Abreu

sábado, 6 de agosto de 2016

Arranjos florais que “engolem” o palco

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Como sabemos a definição de palco, é o local onde se pode mostrar, portanto, trata-se do espaço de atuação para um público.
Assim sendo, e garanto que tenho toda a admiração e estima pela arte dos arranjos florais, nomeadamente, os que são criados para embelezar os palcos nas diversas festas que acontecem ao longo do ano. Mas cada macaco no seu galho, pois não gosto de ver arranjos florais altos, alguns com mais de 30 centímetros de altura e muitas das vezes compactados, em toda a frente do palco, ocultando desta forma, tudo o que acontece, rente ao chão do espaço de apresentação.
 
Por exemplo, no caso específico da atuação de grupos de folclore e/ou etnografia, com tantas ornamentações na dianteira do palco, oculta-se elementos tão importantes para o enriquecimento do espetáculo, como o calçado, adereços, objetos etnográficos e demais pertences. Quem não gosta de ver a representação das danças e cantares dos usos e costumes das gentes do nosso Portugal e arredores? Quem não gosta de ver como é que batem o pé? Mas só se poderá usufruir, totalmente, desse prazer se os arranjos florais não taparem o nosso campo de visão.
Esta ocultação acontece também no caso de terem crianças a atuar, que devido à sua pouca altura, mal as veremos. É bem verdade que o homem não se mede pela altura e com todo o respeito aos anões, só com um pouco de sorte ainda lhes aparece a cabeça, tal é o amontoado de flores à sua frente.
E como se os arranjos florais não chegassem, ainda temos que contar com as precisas monitoras de apoio ao som, que também são colocadas na frente do palco.
Há que não esquecer também a febre obsessiva que se vive hoje em captar as imagens, dos eventos, a partir das máquinas fotográficas, telemóveis, ipads e outros suportes. Acrescenta-se igualmente o entusiasmo dos autorretratos e dos extensores de braços para tirar as selfies. Ficámos mesmo sem ângulo de visão do que acontece à nossa frente. É vê-las e vê-los com os dispositivos no ar. Por vezes, fico a pensar se conseguem reter algo «in loco». Há uma grande preocupação em fotografar e filmar mas comtempla-se pouco, muito pouco mesmo.
Os decoradores que apostem na arte da cenografia, do enfeite, da decoração do fundo do palco ou nas zonas que não interferem na visibilidade dos espetadores e deixem a frente livre. Podem criar, por exemplo, uma prateleira abaixo da beira do palco para colocar os respetivos arranjos florais.
As laterais do palco também devem permanecer livres de qualquer obstáculo, para a devida circulação dos artistas e técnicos. Só assim, é que as performances dos artistas podem decorrer dentro de toda a normalidade e desta forma, o espetáculo ganha no seu conjunto.
Mas esta situação de se ocultar o chão do palco, só acontece porque como sabemos os palcos neste género de eventos, são montados sem um adequado caimento para que os espetadores possam usufruir de toda a zona de ação.
Numa das festas deste verão assisti a uma situação, deveras caricata, com um grupo de folclore dos Açores, convidado para a abertura da tal festividade e que para total surpresa da organização, entidades e público em geral presente, o grupo optou por atuar em frente ao palco e não em cima do respetivo estrado, como seria normal. Ainda pensei cá com os meus botões: será que o palco é pequeno para acolher os intervenientes e as coreografias que pretendem apresentar? Mas logo verifiquei que o mesmo grupo tinha uma série de pequenos elementos etnográficos das ilhas açorianas e que se a atuação fosse no palco não seriam visíveis e assim julgo que a opção – se foi esse o propósito – de atuarem na frente, foi a mais ajustada.
Os organizadores destes eventos, devem ter todo o cuidado em tornar o palco uma área de ação bem visível e assim, proceder de forma a evitar o excesso de adornos e arranjos de flores como: gerberas, antúrios, rosas, estrelícias, orquídeas, misturadas com outras flores naturais ou artificiais e ainda, verdes e mais verdes – “verde que te quiero verde” (Garcia Lorca) ¬ – a comporem o cenário.
Acredito que os criativos ou decoradores façam a sua obra com a melhor das intenções, com muita dedicação e paixão, dando aso à sua criatividade, para tornar o palco visualmente atrativo, mas têm que ter também a preocupação estética e artística – o que muitas vezes falta –, em pensar na visibilidade dos artistas que se apresentam ao público. O palco é montado em primeiro lugar, para a atuação dos artistas. E não como palanque para exposição de flores e afins.
Há que ter respeito e sensibilidade artística com “o espaço que a figura humana ocupa em cena” Cabral (2004, p.72), que deve estar livre de qualquer estorvo, em toda a linha da boca de cena.
Temos que estar atentos a estes pormenores que podem perfeitamente contribuir para melhorar os eventos em futuras edições. Não se trata de uma opinião do género «modus operandi», mas pretende-se contribuir com alguns detalhes pertinentes, para uma melhor organização e gestão do espaço de atuação. Mas, com mais ou com menos flores, a «engolir» o palco, o espetáculo tem mesmo que continuar.
 2016-06-08 | Zé Abreu

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Sobreposição de eventos culturais!? Qual é o problema?


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Numa ilha que acolhe tantos agentes e associações culturais, desportivas e sociais, tantas empresas de criação de eventos, entre outros géneros de associações, todos a realizar – e ainda bem que o fazem – iniciativas culturais, desportivas e de entretenimento, torna na realidade, simplesmente, impossível não haver sobreposições de eventos.


Em boa verdade, sempre fomos uma terra abençoada por muitas festas, festinhas e festarolas. Passámos o ano, presenteados com uma alargada oferta de eventos, – com mais ou com menos brio e por vezes inspirados uns nos outros – desde semanas gastronómicas, festivais, arraiais, encontros, festas comemorativas dos respetivos concelhos, noites de verão e festas de cariz religioso que cada vez mais são recheadas com componentes de animação cultural, algumas mesmo, com artistas de elite na sua programação.
Depois, ainda há os super inspirados ou iluminados, que criam eventos para tudo e sobre tudo, desde o dia disto, ao dia daquilo. Também, para gáudio de todos, não nos falta os concertos com as mais diferentes conceções e estilos musicais ou espetáculos de outras artes performativas. O mesmo acontece com os desfiles, lançamentos de livros e exposições.
Perante este cenário, julgo ser impossível evitar as sobreposições na programação de eventos, visto que são muitos a organizar – 11 municípios, 54 freguesias, 40 casas do povo, entre outras largas dezenas de associações – e todos procuram realizar os eventos, focalizados, nos fins de semana, mas como sabemos um ano só tem, aproximadamente, 52 fins de semana, o que não chega para tanta festividade.
Acrescenta-se ainda os eventos culturais organizados pelo setor público, nomeadamente, os projetos no âmbito dos “Festivais Culturais da Madeira”, a temporada artística da Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia, a temporada do Conservatório – Escola das Artes – Eng.º Luíz Peter Clode e de outras tantas programações de eventos da responsabilidade de organismos governamentais e demais associações culturais e artísticas.
Só para ficarmos com uma ideia mais real sobre a sobreposição de eventos na nossa região, e a título de mero exemplo, no pretérito fim de semana de 17, 18 de julho, na Madeira, tivemos entre outros, esta sobrecarga de eventos: Expo Madeira; Festival Raízes do Atlântico; XV Mostra Regional da Banana; XI Festa da Lapa; Xutos & Pontapés no Parque de Santa Catarina; Comemoração do dia da Freguesia de São Pedro com diversas atividades artísticas; Orquestra de Bandolins de Câmara de Lobos, apresentou um concerto no miradouro do Cabo Girão; Marco Paulo atuou na “Mostra Gastronómica de Santana; XX Encontro de Folclore de Santa Cruz; A Escola Básica e Secundária da Calheta, realizou a XIV edição do Festival da Canção Interescolar ‘Talentos à Solta’; O bailado burlesco russo ‘Petrouschka’, levado ao palco no Centro de Congressos do Casino, numa produção da Escola de Bailado Carlos Fernandes; Concerto encerramento da temporada artística da Orquestra Clássica da Madeira no Teatro Municipal Baltazar Dias; A Junta de Freguesia de Boa Ventura organizou o II evento “Música nas Ruínas”, no Antigo Engenho, Caminho da Entrosa, Calhau da Boa Ventura.
Bom, quer dizer, mau, já me perdi com tamanha oferta de eventos. E tudo isto, sem se contabilizar algumas atuções nos mais diversos espaços comerciais e os eventos desportivos, nas mais variadas modalidades.
Mas o mais espetacular é que com tanta sobreposição de eventos, ainda assistimos a balanços, com resultados muito positivos, na sua grande maioria, por parte dos organizadores, que apresentam os resultados como: “muito positivo”, “grande sucesso “, “êxito” “enchente”, “excelente afluência de público”, “ casa cheia”, “superou as expetativas”, “… ao rubro”. É caso para dizer: com tanto sucesso e satisfação, viva a sobreposição de eventos! Pois afinal, pelo que parece, temos mesmo público para tudo. O que de certa forma contradiz, em parte, algumas das conclusões que constam do estudo” “Três Décadas de Portugal Europeu – Balanço e Perspetivas ”, onde se afirma que os portugueses aparecem com uma certa reserva na participação cultural e lazer em relação aos outros cidadãos europeus.
Este estudo, coordenado pelo economista Augusto Mateus e encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, mostra que, entre 1999 e 2013, Portugal foi o país europeu em que a relevância dos gastos com cultura e lazer mais decaiu. Vale mesmo a pena uma leitura atenta a este documento, que pode ser consultado em: https://www.ffms.pt/upload/docs/PortEuroUmBal3Dec.pdf
Mas cá para nós, o pior, seria mesmo não existir oferta cultural. Mas já que existe e em fartura, vamos lá desfrutar. A escolha será sempre uma questão de opção, por parte dos fruidores dos eventos. O público é que tem sempre a última palavra, acorre aos eventos que mais lhe convém em determinado momento e local.
Mesmo que se criasse uma plataforma online onde as coletividades tivessem a possibilidade de colocar a programação das iniciativas a realizar, haveria sempre sobreposições de eventos, tendo em consideração a quantidade dos mesmos e os respetivos programas a cumprir de forma a justificar os compromissos e os necessários apoios e subsídios, para o normal funcionamento das associações.
No entanto, há que promover a reflexão e o debate alargado em torno da agenda de eventos que se realizam na Região Autónoma da Madeira, para que se possa contribuir para uma melhor promoção cultural, turística e económica.
Os eventos fazem parte da nossa cultura. E como a cultura é uma arte do encontro de percursos e conceitos diferentes e de cidadania no seu mais vasto e nobre sentido, vamos continuar felizes a criar, a partilhar e a conviver com os nossos eventos.
2016-08-01 | Zé Abreu

domingo, 31 de julho de 2016

Tributo à cultura de proximidade




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Numa sociedade em permanente e apressada mudança, como é o caso da nossa, cada vez faz mais sentido, apostar numa cultura que aproxime, efetivamente, as pessoas. E se há uma área que está intrinsecamente ligada a cada um de nós, essa área é, sem margens para dúvidas, a cultura.
O campo da cultura tem sido, muitas vezes, visto como um parente pobre, nas diferentes áreas que nos movem, por ser alvo de um fraquíssimo investimento, por parte dos sucessivos governos, dos diversos quadrantes políticos. No entanto, falamos cada vez mais em cultura e isso, é um bom indício, para este início do século.
Não me oponho ao desenvolvimento tecnológico, que avança a toda a velocidade sobre as nossas vidas, pois é necessário e é também fruto do desenvolvimento cultural. Oponho-me sim, ao abandono da cultura popular, das tradições, nos nossos pequenos territórios, em prol, muitas vezes, do aglomerado de atividades culturais nos grandes centros, relegando para um segundo plano o restante da população.
A cultura é o veículo que mais nos aproxima, seja numa pequena terra, numa região, num país ou na europa. Por isso é que as pessoas devem estar no centro dos acontecimentos culturais que surgem nas suas comunidades, fazendo-as acreditar e avançar para abertura de novos horizontes.
Colocar projetos artístico-culturais em andamento, de forma organizada e de preferência em estreita cumplicidade com as comunidades locais, é um excelente contributo para alavancar a pequena economia das diferentes freguesias da Madeira. Não fazer nada, é que está errado. Há que dar o primeiro passo, fazer com os meios que temos ao nosso alcance, porque, com pequenas ideias, geram-se grandes ideias.
Hoje e futuramente, há que continuar a trabalhar de forma unida, para que os aspetos culturais da nossa região, não sejam um circuito fechado, mas alvo de um debate aberto, com os agentes e estruturas culturais de todos os municípios.
Oxalá, que a cultura continue a ser uma viagem de conquista, pela região, pelo país, pela europa, pela lusofonia e pelo mundo, tal como foi a bravura dos descobridores portugueses, que partiram “por mares nunca de antes navegados” Camões (2010, p.5).
Para que a cultura seja realmente uma presença sólida nas nossas vidas, temos que ser uns verdadeiros aliados culturais, que se interessam em conhecer todas as potencialidades existentes, nos diversos locais da região. O maior recurso que temos é o cultural, pois esse não se esgota, quando é tratado convenientemente, pelo contrário, ele cresce, transforma-se e transforma tudo à sua volta. Como sabemos, a cultura não é um entrave ao progresso, mas sim um caminho seguro e frutífero para a criatividade, a comunicação e o conhecimento. Ao impulsionarmos a cultura estamos a sair do marasmo que ainda persiste em muitos locais e a contribuir para a progressão das comunidades.
É necessário uma ilha inteira para sensibilizar, formar e educar culturalmente cada cidadão de forma consistente e organizada. Porém, estou convicto que ainda falta percorrer um longo caminho. Mas só o facto de sabermos que existe um caminho que nos pode levar a bom porto, vale a pena caminhar.
Incentivar o aparecimento de diversos projetos no campo das indústrias culturais e criativas, na Madeira, é também apostar no crescimento económico, social e turístico. A oferta cultural deverá ser sempre uma aposta, seja em tempos de crise como este, que ainda passamos, seja em tempos de “vacas gordas”.
Em todo o lado existe cultura, até nos pequenos sítios há um potencial cultural por explorar, que pode contribuir para um melhor conhecimento das identidades e culturas regionais. Não podemos ficar indiferentes à cultura que é uma marca da liberdade de criação e expressão de cada povo. A cultura é a marca que deixámos, onde estamos e por onde passamos.
Precisámos de uma política cultural na região que defina prioridades e que considere oportuna a participação de todos os intervenientes locais, como estratégia de desenvolvimento de qualquer localidade. Pois, é a cultura que dá-nos resiliência, significado, solidez e projeção local, nacional e internacional.
Em suma, não é possível estudar, conhecer e valorizar os cidadãos de cada região, de cada país, da europa, do mundo, abstraindo-se das especificidades culturais de cada localidade. 
2016-07-31 | Zé Abreu