sábado, 6 de agosto de 2016

Arranjos florais que “engolem” o palco

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Como sabemos a definição de palco, é o local onde se pode mostrar, portanto, trata-se do espaço de atuação para um público.
Assim sendo, e garanto que tenho toda a admiração e estima pela arte dos arranjos florais, nomeadamente, os que são criados para embelezar os palcos nas diversas festas que acontecem ao longo do ano. Mas cada macaco no seu galho, pois não gosto de ver arranjos florais altos, alguns com mais de 30 centímetros de altura e muitas das vezes compactados, em toda a frente do palco, ocultando desta forma, tudo o que acontece, rente ao chão do espaço de apresentação.
 
Por exemplo, no caso específico da atuação de grupos de folclore e/ou etnografia, com tantas ornamentações na dianteira do palco, oculta-se elementos tão importantes para o enriquecimento do espetáculo, como o calçado, adereços, objetos etnográficos e demais pertences. Quem não gosta de ver a representação das danças e cantares dos usos e costumes das gentes do nosso Portugal e arredores? Quem não gosta de ver como é que batem o pé? Mas só se poderá usufruir, totalmente, desse prazer se os arranjos florais não taparem o nosso campo de visão.
Esta ocultação acontece também no caso de terem crianças a atuar, que devido à sua pouca altura, mal as veremos. É bem verdade que o homem não se mede pela altura e com todo o respeito aos anões, só com um pouco de sorte ainda lhes aparece a cabeça, tal é o amontoado de flores à sua frente.
E como se os arranjos florais não chegassem, ainda temos que contar com as precisas monitoras de apoio ao som, que também são colocadas na frente do palco.
Há que não esquecer também a febre obsessiva que se vive hoje em captar as imagens, dos eventos, a partir das máquinas fotográficas, telemóveis, ipads e outros suportes. Acrescenta-se igualmente o entusiasmo dos autorretratos e dos extensores de braços para tirar as selfies. Ficámos mesmo sem ângulo de visão do que acontece à nossa frente. É vê-las e vê-los com os dispositivos no ar. Por vezes, fico a pensar se conseguem reter algo «in loco». Há uma grande preocupação em fotografar e filmar mas comtempla-se pouco, muito pouco mesmo.
Os decoradores que apostem na arte da cenografia, do enfeite, da decoração do fundo do palco ou nas zonas que não interferem na visibilidade dos espetadores e deixem a frente livre. Podem criar, por exemplo, uma prateleira abaixo da beira do palco para colocar os respetivos arranjos florais.
As laterais do palco também devem permanecer livres de qualquer obstáculo, para a devida circulação dos artistas e técnicos. Só assim, é que as performances dos artistas podem decorrer dentro de toda a normalidade e desta forma, o espetáculo ganha no seu conjunto.
Mas esta situação de se ocultar o chão do palco, só acontece porque como sabemos os palcos neste género de eventos, são montados sem um adequado caimento para que os espetadores possam usufruir de toda a zona de ação.
Numa das festas deste verão assisti a uma situação, deveras caricata, com um grupo de folclore dos Açores, convidado para a abertura da tal festividade e que para total surpresa da organização, entidades e público em geral presente, o grupo optou por atuar em frente ao palco e não em cima do respetivo estrado, como seria normal. Ainda pensei cá com os meus botões: será que o palco é pequeno para acolher os intervenientes e as coreografias que pretendem apresentar? Mas logo verifiquei que o mesmo grupo tinha uma série de pequenos elementos etnográficos das ilhas açorianas e que se a atuação fosse no palco não seriam visíveis e assim julgo que a opção – se foi esse o propósito – de atuarem na frente, foi a mais ajustada.
Os organizadores destes eventos, devem ter todo o cuidado em tornar o palco uma área de ação bem visível e assim, proceder de forma a evitar o excesso de adornos e arranjos de flores como: gerberas, antúrios, rosas, estrelícias, orquídeas, misturadas com outras flores naturais ou artificiais e ainda, verdes e mais verdes – “verde que te quiero verde” (Garcia Lorca) ¬ – a comporem o cenário.
Acredito que os criativos ou decoradores façam a sua obra com a melhor das intenções, com muita dedicação e paixão, dando aso à sua criatividade, para tornar o palco visualmente atrativo, mas têm que ter também a preocupação estética e artística – o que muitas vezes falta –, em pensar na visibilidade dos artistas que se apresentam ao público. O palco é montado em primeiro lugar, para a atuação dos artistas. E não como palanque para exposição de flores e afins.
Há que ter respeito e sensibilidade artística com “o espaço que a figura humana ocupa em cena” Cabral (2004, p.72), que deve estar livre de qualquer estorvo, em toda a linha da boca de cena.
Temos que estar atentos a estes pormenores que podem perfeitamente contribuir para melhorar os eventos em futuras edições. Não se trata de uma opinião do género «modus operandi», mas pretende-se contribuir com alguns detalhes pertinentes, para uma melhor organização e gestão do espaço de atuação. Mas, com mais ou com menos flores, a «engolir» o palco, o espetáculo tem mesmo que continuar.
 2016-06-08 | Zé Abreu

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