domingo, 14 de agosto de 2016

Antevisão dos 600 anos da descoberta e povoamento da Madeira

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Como referiu o notável camarolobense, Padre Eduardo Clemente Nunes Pereira, na sua mais emblemática obra literária, Ilhas de Zargo, “foi o arquipélago da Madeira o primeiro descobrimento português realizado no século XV, a primeira empresa marítima de mar-largo dos povos europeus (…). Com este descobrimento os marinheiros portugueses rasgaram horizontes novos à Náutica e à Cosmografia (…) descobriram e conquistaram, no espaço de um século, metade do Mundo. Pereira (1989, p.74).
É sempre pertinente recordarmos e revisitarmos esta obra, até porque preparamo-nos para receber e participar ativamente, assim se espera, nas comemorações dos 600 anos do achamento da Madeira. Festejar esta data não se trata de uma comemoração qualquer, mas sim, de um acontecimento único, pela sua magnitude e profundidade da história, da alma, do carisma e da tradição de uma região como a nossa. Tomara que saibamos honrar este legado, absolutamente notável e projetá-lo para um futuro melhor, que se possa rasgar novos horizontes para o desenvolvimento sustentável de todos os setores da região.
Serão as comemorações de seis séculos de um lugar onde todos se podem sentir bem acolhidos. Que seja uma festa da cultura que fala das pessoas e que chega às pessoas, com a criação, fruição e apresentação de projetos artísticos e culturais, de todos e para todos. Uma marca festiva onde as artes, o desporto e outras áreas de interesse, se possam afirmar como um espaço de encontro. Que todos se possam valorizar com arte, cultura e desporto.
Que seja uma programação eclética, marcada por uma notável diversidade, qualidade e quantidade de eventos. Que os grupos, as coletividades, proponham e apresentem afetivamente as suas propostas. Que não fiquem de braços cruzados, esperando pela iniciativa do setor público. Pois o papel do estado não pode, nem deve substituir o papel dos artistas, o estado deve é criar mecanismos para que os criadores possam conceber, apresentar e expor as suas ideias criativas.
Julgo que as missões mais importantes num acontecimento cultural, deste cariz, vão, ou devem ir muito mais para além do se apresentar espetáculos, exposições, livros, esculturas, pois deve ser igualmente, e acima de tudo, um importante fórum de reflexão e formação de públicos.
Esta celebração pode ser uma adequada temática para abordar-se em vários eventos, como por exemplo, através de algumas recriações históricas, no Festival Colombo e no Mercado Quinhentista em Machico, o que até vai ao encontro das pretensões do Governo Regional, que anunciou na última edição deste mercado medieval, que o mesmo deveria passar a integrar os eventos culturais da Madeira.
Ninguém tem dúvidas, que a diáspora também deve ser convidada e incentivada a participar ativamente nestas comemorações, pois os nossos imigrantes e descendentes, têm um papel importante que enriquece a cultura madeirense. Os imigrantes tiveram e têm impacto em todo o mundo, nos mais variados campos, o que deve ser uma honra para todos os madeirenses. Assim, no âmbito da realização do II Encontro das Comunidades Madeirenses, no próximo ano, poderá ser abordado a temática da emigração madeirense desde o seu início, procurando encontrar soluções, para problemas que afetam as partes e traçar caminhos profícuos de entreajuda com a região e as comunidades espalhadas pelo mundo.
O caminho do povo madeirense foi sempre feito contra muitas adversidades, mas nada nos fez desistir, ao longo dos tempos. Começámos por desbravar montanhas, trespassar vales com muita criatividade, traçar levadas com a força dos braços – hoje só com máquinas se faria tal obra –, e construir poios cultiváveis. Os nossos poios são uma referência paisagística única no mundo, pena é o uso do betão que tem sido uma constante nos muros que se tem construído nas últimas décadas.
Como comemorar também é valorizar, esperemos que, de uma vez por todas, se valorize mais e se dê condições aos genuínos artesãos, da nossa terra, como o picheleiro, o obreiro de vimes, as bordadeiras, os criadores de instrumentos tradicionais e de calçado regional, entre outros tantos. A diferença e a marca da nossa terra passa por aqui. Por enaltecer aquilo que é castiço. Por uma valorização real do que é nosso.
Seria normal e culturalmente correto que, se deixasse para as futuras gerações, um vínculo cultural desta data, com algo que perpetue no tempo, com grande valor histórico e arquitetónico. Algo que seja mais do que uma ideia escultórica. Porque não a requalificação do espaço que envolve as ruínas do Forte de São Filipe, no Largo do Pelourinho, ou que se recupere, se reconstrua alguns moinhos de água, a rota das levadas ou mesmo o Forte de São João Baptista, um imóvel histórico do século XVIII, situado na baía de Machico, por onde entraram em 1419 os nossos descobridores, João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo. E para isso, há que aproveitar os apoios comunitários, pois, como é público, “no período de 2014-2020 o Património Cultural deverá beneficiar de ainda mais investimentos da UE, por exemplo através dos Fundos Europeus Estruturais, do Programa-Quadro Horizonte 2020 e do programa Europa Criativa.” (http://www.gepac.gov.pt/patrimonio-cultural-em-destaque-em-relatorio-da-comissao-europeia.aspx).
Não vamos só pensar em construir algo de novo e deixar-se estragar o que existe. Devemos restaurar, salvaguardar e valorizar, o que recebemos como herança das outras gerações que nos antecederam, sabendo articular com a sociedade e a criação contemporânea. Saímos todos a ganhar com algo que possa enriquecer ainda mais o património histórico-cultural madeirense.
Que não se assista, somente, à realização de projetos que já fazem parte da agenda cultural da região e onde se acrescenta, matreiramente, ou melhor dito, inteligentemente, – no âmbito das comemorações dos 600 anos da descoberta da Madeira. Que se inclua sim, mas que acima de tudo, se vá mais longe.
A região não existe, verdadeiramente, sem o contributo das artes e da cultura em geral. Assim, o atual momento comemorativo é excelente para se refletir e respeitar o passado de forma a preparar melhor o futuro, servindo simultaneamente a comunidade.
Que tal, no próximo espetáculo pirotécnico, na passagem de ano de 2016 para 2017, darmos já, as boas vindas às comemorações dos 600 anos de descoberta da Madeira? E estas comemorações, poderiam ser também o tema aglutinador do fogo de artifício de 2017 para 2018.
Obviamente, que devemos procurar parcerias para que se possa acolher projetos regionais, nacionais e internacionais, de forma a abrir as portas da Madeira, a um sem número de atividades de divulgação da cultura, com gentes das mais variadas formações e proveniências. Esperemos que se aposte numa celebração aberta ao público, aos artistas, às cidades, à região, ao país e ao mundo, dando a conhecer o que aconteceu, o que acontece e o que poderá acontecer numa perspetiva futura com a Madeira.
Realmente, 600 anos são muito tempo, daí, merece uma comemoração à altura, por exemplo, com uma performance realizada por obras que ocupem um território abrangente, com 600 intervenientes: criadores, artistas, autores, indo desde a dança, ao teatro, às artes plásticas, à música, ao folclore, à etnografia, ao cinema, à fotografia, à arquitetura, passando, inevitavelmente, pela literatura e ainda incluindo o artesanato com novas propostas para o uso moderno e contemporâneo, e até o video mapping em articulação com os cursos de Arte e Multimédia ou Ciências da Cultura da Universidade da Madeira.
Também, a participação de gestores culturais, artistas, produtores, estudiosos da cultura, escuteiros e escoteiros e demais interessados em geral, é muito importante, nestas comemorações para uma efetiva reflexão democrática sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade da cultura.
Interessa mesmo que esta comemoração dos 600 anos da descoberta e povoamento da Madeira, seja um evento participado, crítico, enraizado na cultura local e simultaneamente aberto ao mundo, para um melhor conhecimento deste arquipélago formado pela Madeira, Porto Santo, Desertas e Selvagens.
2016-08-14|Zé Abreu

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